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Um constante esvaziar-se - parte II

Foram necessários poucos dias de Índia para perceber quanto dela já morava em mim.




          Eu pegava a bicicleta pela manhã e saia procurando o meu destino, como se fosse assim, fácil, simplesmente dobrar uma esquina e me encontrar. Os caminhos por onde pedalava eram de terra batida, e ao redor muitas árvores traziam frescor para os dias quentes. Me perdia com frequência pelas minhas rotas, e ia parar em vilarejos: essa era uma grande oportunidade de observar o dia a dia das pessoas dali. As mulheres (sempre elas), saiam as portas de suas casas e coloriam o chão com areia, desenhando a olho lindas mandalas, acendiam incensos e velas, e assim iniciavam o dia.

          Durante o percurso, desviava das vacas e também me encantava com elas. Auroville, minha primeira parada na Índia, é uma cidade pensada por Mirra Alfassa, também conhecida como Mãe, com o objetivo de ser um lugar na Terra em que nenhuma nação pudesse reivindicar como sua: onde, nas palavras dela: “todos os seres humanos de boa vontade, sinceros em sua aspiração, poderão viver livremente como cidadãos do mundo, obedecendo apenas a uma única autoridade: a da Verdade Suprema”. Era isso então, eu estava no lugar que conversava com meus propósitos de vida. O dinheiro não é mais o senhor supremo e as pessoas ali não aspiram a satisfação apenas dos seus desejos, o trabalho voluntário, por amor, é a grande motivação.

          Muitos cursos baseados nos ideais do Yoga Integral acontecem ali, e essa foi a razão, também, de eu estar lá. Nos meus primeiros dias estive imersa no curso de ATB (Awareness Through the Body): uma prática que envolve diversos tipos de jogos, movimentos e meditações para despertar o nosso potencial de concentração. No primeiro dia, fui pedalando até a escola em que seriam as aulas logo cedo pela manhã e fiquei sem café da manhã já que não conhecia nada por ali, mas cheguei no horário (isso diz muito sobre quem escreve). Passei o dia num estado de concentração maravilhoso. Uma prática seguida da outra, uma oportunidade após a outra de mergulhar fundo em mim.

          Foi aí que percebi esse espaço que se abre quando o fluxo dos pensamentos desaparece. Um espaço que é luminoso, cheio de vida, quase visível. Eu voltava para a minha cabana e queria mais, queria mais silêncio, mais espaço. Para que estudar isso? Porque gosto, é porque quero e me faz bem à alma. Esvaziar-se não para produzir, não para publicar, mas para se encantar.

          Com o término das aulas, voltei a trabalhar online, e nos momentos livres desfrutei de cada pedaço daquele lugar: vi os jardins mais floridos, participei de corrida, estudei canto de mantras, mas também fiquei em silêncio, ouvi apenas, olhei apenas, amei. A experiência no exterior atuou no meu íntimo, e eu simplesmente não evitei, não desviei.

          A vida é isso, um constante convite para a coragem de se esvaziar. Fui reduzida ao mínimo para crescer. Gostava de preparar meu café da manhã na cozinha do lugar em que eu estava hospedada e ver pessoas de mais de 10 países diferentes também preparando suas refeições, compartilhávamos nossas comidas e culturas. Por volta das nove horas da manhã, disciplinadamente, pegava minha bicicleta para ir ao Matri Mandir, um grande Templo Mãe em que se pode meditar, e desfrutar de um silêncio e grande concentração. Uma rotina preparada com muito amor por mim, em que cada atividade do meu dia me convidava a chegar com o corpo inteiro.

         

         

 

 
 
 

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Luciana puglisi
Apr 01
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Que lindo e inspirador relato! Por mais espaços e práticas de silêncio contemplação e Amor!

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